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Sorriso fantasma



Tinha naquele sorriso apostado o futuro
E hoje os mesmos lábios alegres
Desenhados com o mesmo traço seguro
Traziam um sentido distorcido

Os lindos e vivos olhos de antes
Estavam vagando mortos
Escondidos num Rosto
Apático de fantasma
Coadjuvando numa tentativa frustrada
De encenar o velho sorriso de sempre.

Tinha medo de enfrentar no presente
A linda e rara flor do amor finado
Que ao perder pétala por pétala
Repetia friamente numa música surda:
Mal te quer... mal te quer...
No mesmo compasso,
O coração em calafrios batia
E deixava de bater.

Vi o futuro reviver enquanto o passado
Perdia uma parcela do seu sentido original.

Ali, sorrindo pra mim
Enquanto recitava pro vento
Minhas experiências de amor
E meus desejos de eternidade
Não estava mais a quente alma que me inspirava
Estava vagando a minha frente
Um fantasma de sorriso forjado
Que me trazia lembranças embaçadas
De um distante e quase esquecido passado.
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EQUILÍBRIO


Num tabuleiro bambo
Suspenso por dois pilares
Tento dançar, sorrir, cantar...

O tempo todo de ponta a ponta
Corro pra compensar
O mareado balançar
Do finado firme firmamento

Todo tempo concentrado
Por trás da máscara de um louco.

O vento sopra forte
um novo ritmo surge
Facilita o jogo das peças
Que me pões em cheque...

Nem o copo de whisky bebo todo
A bebida em solo bambo
Força movimentos bruscos
Enquanto sem jeito sambo

Mais uma vez em cheque
Mais uma vez muda o vento
Mais uma vez ruge o tempo
Enquanto tento ir me equilibrar.
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Digam-lhes


Digam-lhes que saí
Fui passar férias num país distante
E pouco conhecido
Pra ser esquecido
Num instante

Digam-lhes que fugi
Numa madrugada calada
Fora do calendário
Fugi pra me tornar lendário
Numa história pouco contada

Digam-lhes que morri
Construam uma cova forjada
Num cemitério escondido
Aqui jaz um desconhecido
Que desistiu da vida morgada

Ou melhor, digam a Ela,
Que a releitura da mão eu mesmo fiz
Digam a Tristeza, que a cigana bobeou
Que sua armadilha falhou
Que fui ali ser feliz...
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As noites não são as mesmas.




Faz algum tempo que não observo com freqüência a lua mudando de fase protagonizando mais uma noite de paixões antigas afogadas em copos cheios num instante de embriagues. Aqui embaixo anda bem mais interessante, mais nítido e envolvente que qualquer intocável astro morador do céu.

Os desejos que antes voltavam os olhos pras noites escuras, aqueles mesmos olhos que extraíam desejos loucos de estrelas cadente agora realizam seus devaneios voltados pra Terra... O mundo das coisas palpáveis nunca foi tão tentador.

Apaguei da janela a minha constelação preferida, os meus desenhos de nuvem, o meu sonho de voar e todo o resto que me fazia mais sonhador do que sou hoje. A minha janela por muitas vezes dorme fechada pra não deixar fugir as mil e uma possibilidades que acenderam no interior de meu quarto. Deixar pra devolver à janela toda a sua beleza quando tiver explorado bem as possibilidades que guardam as quatro paredes e as reais companhias noturnas.

A gravidade tem uma lição filosófica escondida por traz de todos os seus conceitos físicos. Ela me ensinou a por os pés no chão antes de por os olhos no espaço e observar a quantidade de estrelas tocáveis que temos a nossa volta! O brilho daqui tem sido mais intenso do que o de qualquer astro no céu!
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Dois olhos forjados


A noite tira o sono,
A maquiagem e a força...

Refletido no espelho
Dois olhos forjados
Evitando a vida.

Mais uma vez a ferida sangra
E pinta a cara
Tal qual tela que chora
Pelas mãos do pintor.

Chora um choro quieto
De suspiros leves
Nem as lágrimas têm o direito de tocar o chão
Outros não podem notar sua dor.

Ninguém sabe que os olhos
Dormem sozinhos
Desde a ultima primavera.

Não assumiram a forma de vagos olhos
Balançando à varanda
Afim de ver a última folha cair
Numa madrugada de outono...

Sustentaram-se como alegres olhos
Até o fim de cada estação
Condenados apenas pela noite
Que sabia seu segredo
E solidão.
22

Feliz sentimento novo!



Esse ano quero paz, saúde e amor. Na verdade, esse ano até dispensaria a saúde se ficar doente de amor fosse minha sina. Passaria dias na cama prostrado pensando no amor como se fosse o último sentimento do mundo. Que venham então este ano às noites insones e que eu seja um eterno sonâmbulo rodando a casa gritando o nome do meu amor olhando pro céu de olhos fechados como um bobo, um tonto um louco porque o amor é insano e o meu não quero de outra forma. Que seja esse amor um amor inconstante de sintomas incertos. Que dê febre de paixão ardendo em quarenta graus de puro delírio, que dê calafrios, dê dores de cabeça de tanto imaginar futuros incertos ao seu lado... porque a certeza acovarda, acomoda e destrói o amor!

Até a paz eu deixaria em segundo plano se um coração atribulado fervendo incerto avivasse meu peito tal qual vulcão à beira de uma grande erupção. Quero um amor gritando alto quebrando o silêncio que a paz traz em seu colo, quero noites agitadas ao invés da velha rede balançando o amor em brisa leve soprada pela paz enquanto todos vivem intensamente lá fora. Quero olhos atentos a toda hora e imaginação fértil lembrando que o meu amor merece atenção especial quebrando qualquer possibilidade de acomodação. Quero guerra se guerra preciso for! Pra conquistar esse amor vou armado até os dentes e pra protegê-lo vou mais longe ainda.

Esse ano quero então um amor inconstante, eterno, intenso. Que os amores mornos fiquem para os poetas que desejam intocáveis destinos... Porque eu quero mesmo é viver e fazer eternidade a todo momento!

Feliz sentimento novo!
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