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Conectado

Encarei teus olhos
Teu sorriso, tua expressão
Mas não ouço uma só batida
Do teu coração
O tempo é mesmo soberano
Tinge o passado
Num embaçado tom marrom
Numa página de internet
Inerte sorriso construído
Já teve um significado
Já representou o mundo inteiro
Mas rasteiro o sentimento
Foi sumindo... sumindo.
Hoje não me ferem os olhos
O brilho do teu olhar
Congelado em pixels
Decorando tópicos
Com frases lindas
Frases antes sussurradas
Em minha direção
Agora frases forasteiras
Essa conexão (in)segura
Tornou-se a única
Maneira me conectar ao passado
Sem que me falte firmeza
Nas pernas.
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Pena pluma espuma

Voa pena pluma espuma
Âncora alteres
Braço corrente
Bolha bruma
Chão.

Voa pluma plena branca
Ferro ferragem ferrugem
Bola presa
Arrasta perna
Lição

Manca
Esfumaçada fé espanca
Cega amolada
Cerra tranca
Escuridão

Pinta rubra
Grito gemido
Pedido perdido
Sufocado peito arranca
Mundo cão!
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Perdeu a cor

Perderam o brilho
Teus olhos Poeta
Perdeu o olhar
Teu rosto
Perdeu o gosto
Tua boca
Teus lábios
Perderam a cor

Dói muito essa dor
Que o teu olhar entrega?

Pega uma
Uma não!
Pega um buque de flor
Pega também essa dor
E joga longe
Num rio qualquer
Que leve também esse poema

Qual o problema
Com a tua mão?
Isso, a mão direita
Levou ao coração ligeiro

Ah! É aí que dói?
- O tempo inteiro.
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Vai passar

Vai passar...
Passar o quê?
Passar o tempo
Enquanto passa a vida?
E enquanto não passa?
E enquanto se passa
O que eu faço com o tempo
O que eu faço
Com o momento que o tempo
Resolveu não passar?
Engasgado tão quanto o conselho
Está o problema
E o poema
Completamente sem ar
Mas vai...
Vai o que?
Vai passar!
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Balada do desejo

Dedilhei uma bela canção
Sem ouvir uma só nota
Dancei de perna bamba um samba com a morena
Cambota, desfilei em passarelas de Paris
Meti o nariz onde não fui chamado
Pobre coitado babou num doce
Vencido o tempo inteiro
Pelo mal do diabetes
Mascar chicletes sem dentadura?
Vida dura é a do cão em porta de padaria
Em agonia funda desejando cada parte sua
Enquanto nua a cara da risada do destino
Um menino morto
Deseja estar de pé
Deseja estar vivo
Deseja... deseja muito
Mesmo vergonhosamente
Em posição de pé junto
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Tempo que não se tem

Há tempos
Tanto tempo não se tem
Tem tanto pranto
No tempo
Tem trampo, tem barranco,
Tem espanto
Com o tempo
Que não se tem
Tem canto brando
De bandoleiros vestindo branco
Brumada voz ecoando
No vento, nada isento, do tempo
Do tempo que não se tem
A voz voando viva
Já sem tempo de viver falando
Quando acorda na matina
Despertando vem o tempo
Gritando
O tempo que não se tem
Voa viva a voz veloz
Nada aveludada que vem
Do tempo...
Que tempo?
Do tempo que não se tem.
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Grita o tempo

Quem dá bom dia
É o tempo
Grita que é hora
Passa-me a agenda
Acho que por telepatia
Goela abaixo me enfia
Inversamente à energia
Mais trabalho, tarefa, labor
Cada vez afogado em menos tempo
Numa aguda dor de juízo
Vencer as horas de exercício,
A faculdade, o inglês, o espanhol
O próprio português
A aula de violão,
A aparência,
A paciência, o barulho,
O silêncio,
O ar, a falta dele, a explosão
O tédio, o vazio e o coração
Suportar a companhia
E ausência de uma
Suportar o dia, a tarde, a noite
Sem respirar a vida
Sem olhar à janela
A paisagem que a natureza pintou
Amanhã pela manhã, eu juro:
Parto o tempo ao meio
Parto o tempo ao meio dia
Parto tempo em tempo
O tempo que me espere
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Meu próprio mito I


Passamos anos a olhar pro céu
Querendo encontrar
O sonho perdido
O elo desfeito

E a cada estrela o mesmo pedido
Era feito:

-Traz o amor aqui!

Não tem tanto espaço pra solidão
Num mesmo peito

Foram anos sonhando com
A realidade de estar completo
Estar mesmo perto
De alguém que nunca vi
E mesmo assim me afoga em saudade
Porque senti

Senti, talvez, desde a primeira vez
Em que pus os olhos na lua
E na rua caminhei sem destino
Esperando o Mesmo
Me regalar um encontro

O ponto final da minha busca
Era você, essa era a minha certeza,
Mesmo que isso durasse uma, duas ou
Três vidas
Mas você surgiu muito antes do esperado

Sorriu em fim,
À beira mar,
Pela primeira vez

E meu coração não coube em mim
Sim! Era a outra metade
A magia de um mundo todo
Entregue ao seu olhar
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Meu próprio mito II


Não me faltava uma só migalha
Desde então
Era inteiro, forte, pleno...
Tudo fazia sentido mergulhado
Naquele sereno olhar

As lendas, as canções,
Os mais lapidados poemas
Estavam certos em seus temas

- Mito não é mentira!

A outra metade é um fato
Agora a minha verdade
Não só cantada pelos versos
De um poeta
E filósofo genial

Tive bem perto de mim
De forma sem igual
A minha alma gêmea
E ao mesmo passo em que
Platão extinguiu a poesia
De sua República
Criou o mito mais poético do universo

O inverso de mim que me completava
Eu encontrei na mesma velocidade
Com que perdi

Hoje o inteiro
Mais uma vez
É pedaço
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Meu próprio mito III


Enganaram-se os deuses
Sou a prova viva
É certo que hoje nem tão viva assim
Apesar do fim
Hoje posso descrever o sabor
De ser um só
O amor me saciou por completo
O próprio ato
Muito além de um simples toque
De desejo
É o gozo pleno de se estar vivo
Decisivo momento em que
Escolho corajosamente
Ser dois em um somente
Entregue de corpo, alma e mente
A uma fusão

( -Que não escondo em meus versos)

Trazer o significado da vida
Vago então em uma e outra avenida
Em nome do reencontro

Pior que nunca ter descoberto aquele ponto
É tê-lo visto, sentindo de perto e vivido
E agora ter que cantar o mundo
Num sentido incompleto
Numa saudade sem fim
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Verso veloz

Veloz, violou o veneno,
O vinho e a virgindade
Violou a vez, o verso
Sem voz
Viu a vida velada
Ser violada.
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5.1 ultrapassada


Revejo as fotografias desfocadas
E os vídeos sorridentes
De uma 5.1
Hoje ultrapassada

Em resoluções fracas
E tracejadas
Pixel a pixel o passado
Mostra-se presente

Ausente,
Só Aquele marejado par de olhos
Que brilhava enquanto fitava
Junto aos meus
Cada arquivo posto à vista

Não tem mais tanta graça
Cultivar tralhas passadas

Não tem mais espaço
Posto que Aquele laço real
Se desfez por completo

É apenas mais um encaixotado
A contar histórias
Que a própria memória
Não consegue processar.
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Pobre coração poeta


Pobre coração poeta
Largado nas esquinas a cuspir versos
Pra lua,
Nas quinas de olhares lágrimas de todas as cores
Pesos, formas e dores
Tocando o chão e pedindo céu
Ao som distante de um bandolim
Falastrão... que canta pras estrelas
Ouça a canção em seu peito
De direito tem o seu instante de autocomiseração
Deve ser grande a falta que tem o poeta
Não parou um só instante de recitar saudade
Vai pegar carona na próxima brisa
Se brisa resolver aparecer
Cantou também igualmente ao bandolim
Um mês perdido no ano
Acho que foi Setembro se não me engano
Pobre coração
Está mais perdido que qualquer
Verso louco que eu ou ele tenha um dia cantado
Pobre coitado é o coração poeta
Largado nas esquinas a cuspir versos
Pra Lua e aparar com a cara.
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Nem mesmo o tempo

Nem mesmo o tempo
Posto que não sabemos o que fazer dele
Pode extinguir do peito
Um amor que ali viveu

Amores não morrem!

Não se culpe e não se esforce
Numa tentativa em vão

Querer enterrar um amor
Que habitou um coração
É querer atacar de mãos despidas
A ponta afiada de uma espada

Amores congelam,
Turvam e embaçam,
Mas morrer mesmo
De morte morrida
O amor não morre

Tem espaço em um coração
Reservado pra mil amores
Mesmo querendo pra sempre
Um mesmo amor cultivar

Podem ser, esses amores ingratos,
Esquecidos no mais profundo canto do peito
Pra que um novo amor intenso
Tenha também o seu espaço

E mesmo querendo encontrar
Um amor pra vida inteira
Não é matando a minha maneira
De me livrar de um pedaço

Alimento pouco o passado
E o hoje eu abraço

Pra surgir um lindo laço
É preciso confortar o presente

E aquele amor ausente
Vai saber o seu lugar

Ponho ingrato o amor em seu canto
O canto que lhes é de direito
Que seja envolto em esquecimento
E mal alimentado o infeliz
E nesse fraco momento
O antigo amor murchará

Lembrarei de mil eternidades
Mas amor mesmo de verdade
É esse que deita em meu colo
Em verbos conjugados no presente
Sorri o sorriso mais lindo
Pleno, leal e inteiro
Não tendo motivo mais verdadeiro
Para a um novo amor me entregar.
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A Rosa e o Sol

A Rosa encarou o Sol
Que girou em volta dela
A Rosa confrontou o Sol
Grande, firme e bela

A Rosa disse ao Sol
Que não queria confusão
Queria outro lugar
De Rosa em uma canção

O Sol disse que Não
Que a Rosa aceitasse o papel
De bela rosa num jardim
Enquanto ele ocupava o céu

O Sol se surpreendeu
Quando também escutou não
- se eu quiser (Bateu o pé a Rosa)
Ocupo uma constelação

- E você quer ser estrela
Delicada Rosa miúda?
A Rosa disse que sim
- Minha vontade não é absurda

E se eu quiser ser Sol
Te prepara pra concorrência
Por que você foi menos Sol
Quando me julgou por aparência

O Sol deu espaço à Noite
E escureceu a imensidão
A Noite espaço a Rosa
Agora Rosa em uma constelação
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Pequeno verso

Sorriu pra mim
E esse pequeno grande verso
Já é, só, um poema todo
Com início, meio e fim.
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Estrela terrestre

Deixei de me apaixonar por estrelas do Céu
Apesar de lindas
E ainda me manter iludido
Mudou meu pedido
Desejo agora uma estrela da Terra
E quem pensa que o meu verso se engana
Ou mesmo meu verso erra
Por não cantar céu e mar
Não encontrou um só olhar
Como na Terra encontrei

Vinicius de Oliveira
(Imagem do filme star dust)
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Mais um escrito destinado ao tempo ou a falta dele

Na melhor das hipóteses pirei
Deixei o tempo passar olhando nuvens
Que se desfizeram na primeira oportunidade
Saudade do ultimo desenho
Numa tentativa de imitar posturas de ioga cai
E machuquei o joelho
Sangrou e eu nem parei pra limpar
Apenas deixei sangrar e sangrou
Até que parou...
Dizem que o tempo é o melhor remédio
para algumas enfermidades. Será?
Meu professor de ioga disse que não posso ser coelho
Tenho que imitar em câmera lenta as tartarugas
Em câmera lenta?
Já não andam as tartarugas assim?
E me irrita a sua lerdeza
(Não! Recomporei esse verso anterior)
"E me inveja a sua lerdeza"
Diz também o mestre que minhas rugas
Vão aparecer em breve
Se a um sono leve eu não me entregar
- Mas como andar devagar
Se tudo anda ligeiro?
O tempo inteiro rogo aos céus por mais tempo
E aquele momento ao teu lado quando noto
PASSOU...
Passou o tempo que era pra ser lento
Veloz e atroz como num recado silencioso
Me dizendo o quanto sou pequeno
O quanto sou passageiro em seu tempo
O passado engole o presente
Tão rápido quanto extraiu o sabor
De um chiclete fajuto na boca
Na melhor das hipóteses pirei
Deixei o tempo passar olhando nuvens
Que se desfizeram na primeira oportunidade
Saudade do ultimo desenho
Do tempo em que tempo não era prisão
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